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Para alguém, como eu, que não foi iniciado em tempo útil nos mistérios da codificação matemática e da programação, a natureza das várias codificações do digital, pelo menos na sua presença avassaladoramente abstracta e impenetrável, é sempre um enorme aborrecimento. A ideia de que existem segredos dos quais não partilhamos tende a afastar-nos naturalmente desse desconhecido do qual nos sentimos excluídos. Apesar disso, com o tempo, aprendi a manipular a matéria digital, convivendo melhor com os seus segredos e usando uma estratégia que acabou sempre por aproveitar um desconhecimento dos verdadeiros mistérios implicados nessa matematização da realidade . Julgo que posso dizer que encarei sempre essa matéria plasticamente, até porque não saberia fazê-lo de outro modo. Muitas vezes aproveitei mesmo a completa ignorância de certas práticas de programação para tirar partido dos acidentes que uma manipulação inopinada do código poderia gerar. Noutros momentos, procurei aprender os rudimentos de determinadas linguagens de programação para melhor explorar a capacidade imaginativa da matéria digital
[Chamo capacidade imaginativa da matéria digital à autonomia criativa com que os zeros e uns da computação nos surpreendem permanentemente.]
Em blind, deaf and dumb proponho, a três tempos, uma divagação hipnótica e contemplativa em que uma imagem gerada aleatoriamente (como se de um ready-made digital se tratasse) a partir de ficheiros existentes no meu computador, se vê traduzida directamente num som e vai sendo desenrolada numa janela de browser que ganha subitamente vida própria.
miguel leal [novembro 2003]
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